O erro dos filósofos
O erro dos filósofos
Uma redução da inteligência emocional. Parece ser essa a forma que os filósofos se portam frente ao mundo que os cerca, fazendo da racionalidade e de uma moralidade quase sacerdotal o seu modus vivendi. Nos impressiona quando pesquisamos a vida emocional de vários filósofos e chegamos a conclusão de que grande parte nunca se casou ou sequer teve qualquer relacionamento amoroso. A vida de Immanuel Kant nos leva a esse espanto frente ao que foge do padrão saudável ou de liberdade, ou mesmo pregado pela mídia, com seus mil sensualismos e entretenimentos com fim libidinal. Podemos citar muitos outros nomes de solteirões da filosofia: Descartes, Espinosa, Pascal, Leibniz, Malebranche, Hobbes e outros. Não é que viviam em cabarés e farras na solteirice, é que eram “assexuados” e celibatários mesmo. Mesmo na física basta lembrarmos de Newton. Ademais, na biografia de alguns filósofos gregos antigos é referido que alguns nunca sorriram, outros nunca choraram e assim por diante. Isso nos revela um deslocamento da realidade, talvez loucura, mas me parece mesmo um mecanismo psicológico para superar uma grande crise emocional, o que pensei ao ver um filme chamado “Em busca da felicidade”, há alguns dias. E como filósofo, ou melhor, livre pensador, me via muitas vezes nesse barco.
Mas o filme parece ingênuo de princípio ao retratar um menino e uma menina que fogem de casa, ela morando de favor, e ambos pré-adolescentes partilham de planos e trafegam por estradas norte-americanas, servindo-se de caronas e boa vontade das pessoas. Fato é que a menina é intelectual e filha de um professor, e com seu vocabulário rebuscado e certa distância, mesmo gostando do menino a que a acompanhava, mas sempre ela escondendo algo. Ela usava desse mecanismo para esconder um grande trauma, e o final do filme foi feliz e seus planos se realizaram. O xis da questão é que ela me lembra muitos filósofos, como o “pequeno pastor”, Friedrich Nietzsche, que era filho de pastor protestante, e que foi contra tudo o que lhe ensinaram quando cresceu, escrevendo “O Anticristo”, auto-explicativa pelo título, anos após perder o pai em morte inesperada. Mas esse teve seus meretrícios de juventude, o que resultou na sífiles e na solidão pelo resto da vida (e pelo grande bigode..). Mas Kant é o extremo. Ele recebia cartas de moças, teve duas propostas de casamento, negadas, e outros convites, mantendo-se firme na castidade, ou na falta de lidar com seu lado emocional. O relacionamento é necessário, pelo motivo que nascemos como fruto de um. Não nascemos de livros escritos, nem de ideias filosóficas. E o corpo é instrumento de prazer, sendo a libido ainda parte central da existência, segundo Freud.
O que se deve é lidar com os conflitos, não os esconder por trás de máscaras sociais ou antissociais. Lembro de na minha timidez, mais a psoríase, que me provocava feridas pelo corpo, ficar escrevendo meus primeiros ensaios filosóficos e ler muito. Era uma adaptação que na época adquiri, e que me trazia certo conforto, já que pomadas e outros meios não curavam as feridas. Não nego que naquela época, eu era normal e tinha tanto desejo quanto outro homem de 19 anos, 20, e que por trabalhar em uma empresa local de escovas de dente e vassouras, me aproximou da corporalidade, pelas pessoas com quem eu convivia, pois trabalhava como auxiliar de produção. Ficava mesmo assim sozinho. Para mim aquilo era um choque na época, uma vez que eu vinha de uma vida quase rumo a escolástica e a ordenação futura (só não estava em seminário, mas meu pensamento era puritano..), e moças com poucas roupas e a natureza me aproximavam da vida e da emotividade. Quando estava me desligando do trabalho estava bem sintonizado com uma moça (J) e não foi possível uma relação com ela, pois voltou para ex. Passei anos com uma vida estranha, sendo considerado o solteiro da família, por uma prima minha minha seguir agora o exemplo de Mariano, depois que se separou. Fato é que o filósofo, mesmo o livre pensador, parece ter uma moral meio que natural, e que se vê em conflitos emocionais maiores que outras pessoas. Talvez uma fuga de conflito interno, feito a moça do filme, e para outros é claro isso (como relacionamento com pais, como Minikovsky, que agora será pai), mas para mim nunca teve um motivo. Mas voltando a universidade, tive pelo menos uma mulher que me ouvia, ela sendo vigia do local (e por azar casada, e bonita). Nunca tive nada com essa mulher, mas pelo menos conhecia o mundo feminino. Na época falavam que eu era muito sério, e lembro de não sair em baladas e ficar sempre com livros nas mãos.
O erro dos filósofos é muitas vezes apenas um meio de proteção. O fato de faltar meios de se relacionar melhor com as pessoas, e com sua intimidade faz com que sua vida se resuma a ter grandes ideias, e uma salvação para o mundo (e para seu próprio mundo). Essa fuga dos desejos, da sua emoção e mesmo de trocas energéticas com mulheres faz dos filósofos seres ensimesmados e melancólicos, mesmo que com outro temperamento de natureza. Colmatando tudo isso, já há alguns anos, vinha eu pensando no que chamei de “Sentimentalismo Filosófico”, que é um retorno a se levar em conta essa dimensão afetiva e mesmo de relacionamento humano geral, que leva em conta principalmente a família, e que pode melhorar a vida de muitos, e também seus pensamentos. Claro que a angústia parece ser uma marca na vida dos filósofos, lembrando obra de Fídias Teles, outro pensador local. Mas lidar com as emoções, não ter pensamentos destrutivos ou mesmo aquela máscara faz com que possamos viver melhor. Mudaram muito os filósofos, mas talvez não mais existam filósofos mesmo. Fato é que a razão pode ser muito útil, porém não retira a nossa humanidade e o nosso amor. Os filósofos erram assim em sua vida pessoal, quando desprezam a intimidade e a vivência saudável das emoções.
Fontes
-Jean-Baptiste Botul - “A vida sexual de Immanuel Kant”
-Cléverson Israel Minikovsky – “Diários: O esquizofrênico, a prostituta e o político” (em obra “Em todas as direções”, do mesmo autor)
-Mariano Soltys- “Diário de um tímido” (ensaio ainda não publicado)
O erro dos filósofos nós o cometemos. Sim, meu confrade, perduramos no erro. Porque embora reconheçamos a libido, a desprezamos. Não nos envolvemos emocionalmente com nosso próprio sexo. O que para as outras pessoas é sentimental, para nós é meramente orgânico. Neste sentido, somos, como quer Aristóteles, animais racionais.
ResponderExcluirMuito obrigado por compartilhar a sua opinião e experiência própria, elas me fizeram enxergar uma coisa que minha razão não conseguia: eu estava me cobrando excessivamente para não errar, para obter o máximo de conhecimento a qualquer custo, passando por cima das minhas emoções, o que me impedia de desfrutar dos meus acertos e de apreciar as relações humanas que eu insistia em menosprezar. Muita coisa dita por você aconteceu comigo (principalmente a timidez), e estava indo para o caminho de me tornar um filósofo (de graduação) e me fechar completamente, deixando me guiar apenas pela razão...
ResponderExcluirHoje penso em estudar filosofia mas não para "salvar o mundo" nem para tentar tornar minha existência mais válida, mas apenas para exercitar a reflexão, encarando como uma das coisas boas da vida, assim como amar alguém ou algo.
Mais uma vez muito obrigado pelas palavras e torço para que seja feliz, e se isso depender de mérito, na minha opinião você o tem.